26 janeiro 2007

Vale de Lágrimas

Uma vez eu estava no cinema vendo um filme triste. Não era dilacerante, só um pouco terno, mas eu comecei a chorar mesmo assim. Não costumo chorar em cinema, no máximo fico comovida, com o olho cheio d'água, mas dessa vez chorei de lavar a alma. De repente a parte triste do filme cessou, estava numa parte até bem alegre, e eu seguia me debulhando. Já nem via mais o filme que passava na minha frente, estava agora assistindo o filme que passava dentro de mim, e chorava feito uma condenada. Chorar faz bem, todos dizem, mas eu não gosto. Chorar me dói, me incha e me fragiliza. Assim como ajoelhar faz a gente sentir mais fé e beijar nos torna mais apaixonados, chorar me faz sentir ainda mais pra baixo. Mas não é algo que se possa impedir. Choro vendo reportagens sobre crianças que passam fome, choro ao saber de grandes injustiças, choro lendo as passagens emocionantes de um livro, e chorei à beça quando, semana passada, prendi o dedo na porta do carro. Mas nenhum choro é tão sentido quanto aquele que não tem razão aparente. Já deve ter acontecido com você. Você está morrendo de rir e de repente o riso vira choro. Ou você ouve uma música que a faz lembrar de alguém, e as lágrimas escorrem. Ou você está deitada à noite, sem conseguir dormir, sem conseguir sentir nada, gostar de nada, e chora sem saber a razão, e isso lhe dá ainda mais vontade de continuar chorando. Por que a gente chora? Tem choro de alegria, de revolta, mas o mais comum é mesmo o choro de tristeza, e o motivo nem sempre é o que parece ser. Você briga com uma amiga mas chora pela falta de auto-estima. Perde a vaga de um emprego mas chora porque se sente incapaz. Não é aprovado no vestibular mas chora porque acha que nada dá certo pra você. Você não chora pelo o que lhe acontece, mas por quem você é. Daí que a única comporta capaz de estancar o aguaceiro é o auto-conhecimento. Quando a gente detecta as próprias limitações e dispõe-se a vencê-las, consegue trocar lágrimas por disposição e seguir em frente, com os olhos abertos e bem secos. Aprender a conviver com a rejeição ajuda a economizar uma nota em lenços de papel. Ninguém vai deixar de chorar, que isso faz parte da vida de qualquer ser humano, mas nos conhecendo melhor, passamos a chorar mais pelos outros e menos por nós mesmos. (Martha Medeiros)

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